
Uma nova realidade pode se revelar diante de nós a qualquer instante e transformar nossas vidas para sempre. Geralmente, ocorre quando menos esperamos, menos estamos cientes de sua possível existência, logo ali na esquina da vida. Aí então, somos tragados para dentro de suas estranhas e obscuras regras, as quais temos de aprender enquanto as experimentamos. Para um jovem rapaz, esse momento de evidenciação empírica não surgiu ao ir para uma festa ou evento social, mas em uma tarde, enquanto passeava os dedos pela tela do celular, desbravando o lindo vale das garotas virtuais de um aplicativo.
Parou imediatamente quando se viu diante daqueles singelos olhos verdes. Em seguida, buscou mais informações no perfil e encantou-se pela descrição. Ela era veterinária e tinha o hobby de fazer desenhos sobre personagens da cultura pop. Amar os bichos é sempre um diferencial, mas o coração dele tinha um fraco por artistas. Sobretudo, quando a própria imagem da mulher era uma obra cuja noção de estilo e traçado havia se elevado a um novo padrão de estética. Enviou o convite, torcendo para que uma força divina pudesse transformá-la de mera pintura virtual em estátua viva e com uma doce voz.
No dia seguinte, recebeu a notificação. Seu convite para conversar havia sido aceito e, com ele, abriram-se as portas para o encantado reino dos sonhos esverdeados. Nos dias seguintes, conversaram sobre assuntos variados e permitidos para aquela fase sem intimidade, como filmes, séries, livros, veterinária, música, arte, parques de diversão, o amor por cenouras cruas, até o plano de casamento dela, onde supostamente acontecerá uma luta de sabres de luz pouco antes do mestre de cerimônias uni-la ao noivo em matrimônio (segundo as suas ideias, ela iria derrotar o noivo e conquistá-lo em nome da nova ordem dos Jedi, ou algo assim).
Nas horas vagas, ela desenhava e lhe mostrava os trabalhos prontos. Às vezes, pedia conselhos sobre quais cores devia usar e ele, muito feliz, se sentia realizado em poder ajudar. Eram desenhos caprichosos, de traços finos e puro bom gosto. Os únicos que ele considerava realmente ruins eram os autorretratos dela. Estes não chegavam nem perto da realidade ou de uma mínima semelhança com a pintura realista feita pela natureza. Em outras ocasiões, ela o presenteava com fotos tiradas logo após um teste de maquiagem ou penteado novo e estes momentos eram tensos! Ele precisava correr para pegar um copo d’água ou se sentar para não desmaiar, arrancando risos dela quando revelava as suas razões.
Com o tempo, os bons dias e boas noites foram entrando na tessitura de suas vidas cotidianas e passaram a despertar afetos e sentimentos mais profundos. Em um sábado de sol, ele a convidou para caminharem pela praia e tomar água de coco. Depois, foram ao museu de ciências da terra, pois ele desejava fazer a surpresa de mostrá-la um mineral precioso cujo nome havia sido dado a ela como apelido. Encantada com a sua criatividade, ela também revelou que havia terminado um desenho para ele, mas que a dedicatória só poderia ser lida em casa, ou morreria de vergonha. À noite, lancharam no shopping. Foi uma experiência espetacular, os risos, as conversas, o prazer de dialogar, tudo incrível. Ambos se sentiram confortáveis na presença do outro, podendo se expressar como sabiam, sem medo ou receio de serem julgados ou mal interpretados. Mas, infelizmente, esse passeio todo era apenas um sonho e ele logo acordou, agitado.
Correu para o celular a fim de contar a novidade e percebeu que não havia a mensagem cotidiana de bom dia com uma carinha feliz (ela sempre acordava antes dele). Estranhou, mas mesmo assim disse a ela que precisava revelar algo sensacional. Uma hora se passou. Duas. Três. Cinco. Nenhuma resposta. Seu nervosismo ia aumentando enquanto se consolidava um daqueles clássicos sumiços dos tempos de relações virtuais. Até nome para isso já inventaram. O rapaz não entendia o porquê da sua indiferença, ela jamais havia levado tanto tempo para responder. Ao cair da noite, recebeu a resposta, um “oi” fraco e sem graça, acompanhado da explicação de que tivera compromissos durante o dia. Ao menos o tempo de esfriamento serviu para ele voltar a racionalizar o que havia descoberto pelo sonho. Decidiu omitir sua revelação incrível, e tampouco teve dificuldade, uma vez que do lado dela, nenhuma pergunta fora feita. Ela não lhe fez mais perguntas ou pareceu interessada na sua rotina.
Entretanto, após uns dias parados, as conversas retomaram a frequência anterior. Ela estava presente novamente! E uma dúvida passou a consumir os pensamentos dele. Não sabia se podia dizer aquelas três palavras, mesmo sabendo que tinham se conhecido há apenas sete semanas e jamais tinha visto-a pessoalmente. Como será que ela reagiria? Que decisão tomaria? Ela ficaria indiferente? Para preparar o terreno, lembrou-se de uma promessa que fizera. Escrever um texto inteiramente sobre os seus olhos verdes, o que a deixou maravilhada e curiosa. Nele, incluiria os seus sentimentos, vontades e a admiração que tinha por ela. Aquilo tornou-se uma ideia válida. Ao ponto da cor dos olhos nem ter mais a importância que ele achava que teria antes de terminar o texto.
Uma pena que a promessa não chegou a se concretizar. Aliás, apenas a parte em que ela receberia para ler. Depois de duas ou três semanas, enquanto ele escrevia os primeiros parágrafos, as conversas esfriaram de vez, e se ela já vivia distante, em outra cidade, suas emoções e desejos pareciam ter feito as malas e ido para outro continente. Logo, não tardou a passarem três, cinco dias inteiros sem contato, o que deveria tê-lo matado, como brincou certa vez ao comparar o nível de letalidade de sua ausência com a falta de água para os seres humanos. Assim, a realidade para o qual o rapaz fora tragado, cessou e passou a cobrar o preço da estadia atrasada. Isto porque enquanto fazemos parte dele, vivenciamos egoisticamente a glória de seus dias coloridos sem nos alertar para o seu caráter antinatural, de uma realidade aleatória, puramente mental, ilusória, efêmera, artificial.
O que mais fazia esvair as energias do rapaz eram suas dúvidas e a incapacidade de ter lhe dito o que sentia. Porém, teve outra ideia em uma bela manhã de inverno. Havia algo a ser feito, um último gesto romântico capaz de atiçar alguma fagulha de interesse. No mundo de hoje, onde as relações são frágeis e as pessoas desistem umas das outras por detalhes insignificantes, a verdade é um tiro no escuro. Sobretudo, quando não se tem controle da situação. De nada adianta berrar aos quatro cantos o que sente se a pessoa que deveria ouvir não precisa mais do que um suspiro para entender. E esse era o problema, ela não podia mais ouvi-lo. Por outro lado, um texto sobre o amor que sentia poderia transmitir a mensagem que precisava sem ter de se posicionar diretamente e como o aniversário dela estava por vir, resolveu divulgá-lo em seu blog nesse dia, como um sublime presente. A ideia era perfeita! Se desse certo, o seu amor não seria uma ilusão, mas se desse errado, poderia se disfarçar de ficção! De qualquer forma, estaria livre de julgamentos, vergonhas ou arrependimentos. O plano era infalível e estava confiante. Precisava agora só esperar…