
Era primavera e a tartaruga estava caminhando pela floresta, quando avistou uma belíssima árvore. Parou, analisou, olhou para o alto e viu a mais bela fruta, no galho mais alto. Hipnotizada, decidiu escalá-la para saboreá-la. Porém, tartarugas não foram feitas para subir em árvores e ela sabia que seria uma árdua tarefa. Começou colocando suas patas na base do tronco. Parecia fácil, mas logo levou um baita tombo. Sacudiu a cabeça e tentou novamente. Desta vez, conseguiu equilibrar-se por mais tempo e avançar um pouco mais. Levou outro tombo. Esperou alguns segundos para se recuperar do tremendo desgaste físico e subiu de novo.
Ela estava determinada. Apoiou-se sobre as quatro patas, resistiu por um ou dois minutos e desabou. Machucou a pata traseira, que passou a doer bastante. Tentou pela quarta vez. Respirou fundo, olhou diretamente para a fruta, abaixou a cabeça por uns instantes e agarrou o tronco com força. Que maravilha! Estava conseguindo escalar. Qualquer bicho da floresta que a visse nesse momento, acharia imediatamente que estava sonhando. Contudo, na metade da altura, ainda bem distante de alcançar os primeiros galhos, ela escorregou e veio ao chão violentamente, ficando inconsciente.
Por sorte, um esquilo próximo ouviu o barulho e veio acudi-la. Ajudou-a a recobrar os sentidos e a desvirar-se. No entanto, ele estava intrigado. O que tanto ela queria fazer subindo em uma árvore? Após a explicação, ele se comoveu. O esquilo é um animal muito sensível, mas não gostava de mostrar e, por isso, tratou logo de secar as lágrimas sem que ninguém as visse. Ele subiu rapidamente até o galho onde estava a fruta e ficou olhando-a por instantes. Nada demais, pensou ele. Por quê a tartaruga estava tão determinada? Saberia ela de algo importante sobre a fruta?
Um pouco receoso, resolveu ajudá-la (ela não o deixou buscar a fruta). Ensinou-a a se equilibrar e usar algumas partes do tronco da árvore a seu favor e lhe desejou sorte em seguida. A tartaruga passou a escalar com confiança máxima. Sua determinação era tanta que nada conseguiria impedir o seu feito. Secretamente, o esquilo foi juntando uma enorme quantidade de folhas na base da árvore, para em caso de queda, ela não perdesse a vida. E foi subindo devagarzinho atrás dela, sem ser notado.
Quando a tartaruga já estava além da metade do caminho, o esquilo teve uma sensação estranha. Aquela criatura, bem à sua frente, estava conseguindo se aproximar da fruta que tanto desejava. E seu esforço estava começando a deixá-lo com inveja. Por que ele se incomodava com tamanha dedicação para uma coisa que ele poderia obter em segundos? Não deveria estar contente por ela? No entanto, levado por emoções egoístas, ele passou a torcer contra a tartaruga. Não iria diretamente lhe fazer mal algum, pois não era de sua índole, mas podia torcer contra e comemorar o seu fracasso.
De repente, surpreendendo até os mais incrédulos, ela se aproximou do último galho. A floresta ficou em silêncio, como se observasse atentamente o espetáculo que estava prestes a acontecer. O galho era bastante fino e provavelmente não aguentaria o seu peso. Com dificuldade, ela seguia embrenhando-se pelas folhas. Ah, se ela pudesse se desvencilhar de seu casco, quão mais fácil seria! Mesmo assim, contemplando aquela maravilhosa fruta, ela pisou e foi em frente. No último instante, faltando poucos centímetros, o esperado aconteceu. O galho quebrou e ela despencou de uma imensa altura, caindo em cima das folhas preparadas. O esquilo, aliviado, correu para ajudá-la e implorou que não tentasse novamente. Às duras penas, ela aceitou.
Em seguida, a tartaruga distanciou-se lentamente da árvore com os olhos encharcados de lágrimas (ao contrário dos esquilos, elas não se importam de chorar em público). As outras criaturas da floresta, ao olharem para ela, sabiam que se tratava de algo profundo demais. O esquilo, quando a viu ir embora, subiu correndo, agarrou-se a uma das frutas e levou-a para sua toca. Uma leve sensação de prazer percorreu o seu pequenino corpo, mas logo passou. Depois de ter se alimentado, ele até achou o sabor um pouco sem graça. O que havia de tão especial nessa fruta? Por que ele, de repente, se viu com extrema vontade de obtê-la? Ou pior, de desejar que outros não a alcançassem?
Meses se passaram enquanto a tartaruga estudava o comportamento da floresta. Perguntou aos outros animais e informou-se de tudo que podia sobre a fruta. Então, ela voltou para a mesma árvore e ficou parada, aguardando debaixo dos frondosos galhos. O esquilo, envergonhado pelo que pensara naquela ocasião, não desceu para recebê-la. Contudo, como os dias passavam e ela não se movia, ele foi ficando impaciente e preocupado, até que decidiu intervir. Ela não aceitou sair daquela posição por nada, estava decidida e irredutível, então coube ao esquilo trazer umas folhas para ela não morrer de fome. Com esse gesto, ele esperava também recuperar a sua tranquilidade de espírito.
Era princípio de outono e a tartaruga aguardou por exatos dezessete dias até que a fruta despencasse do galho. Quando caiu, uma parte se esborrachou no solo. Porém, ela pouco se importava. Estava maravilhada com o objeto de seu desejo bem ao seu alcance. O aroma da fruta era inebriante e a sua língua passou a salivar (se as tartarugas biologicamente não salivam, considerem isso como um presente divino momentâneo). Quando deu uma mordida, seu paladar percebeu-a por todos os cantos da boca, como se a fruta a acariciasse por dentro. Agora, não restava mais dúvidas. A tartaruga sabia que havia encontrado a melhor fruta, o melhor sabor do mundo. Se era impossível conseguir por meio de suas capacidades, e ela era prova viva de que havia tentado à exaustão, ao menos, o conhecimento, a insistência e a paciência a recompensaram. Bastava esperar o momento certo. Ou podia ter passado por cima do orgulho e pedido para o esquilo ir buscá-la, poupando todo esse esforço.
(Texto escrito em meados de 2011)