
O seriado Força-Tarefa foi exibido na emissora Rede Globo, em três temporadas, sendo a primeira de 14 de abril a 2 de julho de 2009. Foi escrito por Fernando Bonassi e Marçal Aquino, dirigido por José Alvarenga Jr., Mário Márcio Bandarra, Rogério Gomes e José Luiz Villamarin. As sequências foram gravadas em muitos bairros e cenários externos e no presídio de Bangu. Na fase de preparação, o elenco assistiu a palestras com policiais do serviço reservado e fez aulas de tiro para aprender a usar armas de fogo. A trama é sobre uma equipe de investigação da corregedoria da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, cuja função é investigar a ação de policiais e perseguir os profissionais acusados de infringir a lei. A equipe é formada pelo Coronel Caetano (Milton Gonçalves) e mais seis integrantes, Tenente Wilson (Murilo Benício), Sargento Selma (Hermila Guedes), Sargento Genival (Osvaldo Baraúna), Cabo Oberdan (Henrique Neves), Cabo Irineu (Juliano Cazarré) e o Praça Jorge (Rodrigo Einsfeld) [1].
Quanto às questões técnicas, o seriado apresenta um visual interessante. A direção de fotografia trabalhou com um jogo de luzes semelhante ao do cinema e sombras cortadas em forte contraste. Diante desta composição, os telespectadores são postos diante de um Rio de Janeiro soturno, oculto, inseguro, bem distante das imagens clássicas da cidade maravilhosa, apresentada em cartões postais. A paleta de cores adiciona tons melancólicos, afinal, uma equipe que investiga os colegas de trabalho para incriminá-los precisa aprender a viver em meio à desconfiança e à ameaça de morte. O resultado é um produto audiovisual com inúmeras cenas de tensão e alívio, recebido positivamente pela audiência, segundo o site da emissora. Além disso, a oportunidade de ver policiais corruptos sendo levados à prisão, com certeza, possui os ingredientes necessários para agradar o grande público. Sobre o elenco, um fator interessante: todos os personagens corruptos ou bandidos foram interpretador por atores pouco conhecidos na emissora, salvo um ou outro que já desempenhou alguns papeis anteriores. Talvez tenha sido intencional, para revelar uma criminalidade “sem rosto”, passível de irromper em quaisquer níveis sociais, lugar e hora. As performances de Murilo Benício e de Milton Gonçalves merecem um destaque pelo talento e naturalidade com que representaram seus personagens. A música de abertura ficou por conta da canção “Polícia”, gravada pelos Titãs.
A estrutura dramática dividiu cada episódio em uma estória independente, com início, meio e fim, embora um arco dramático acompanhe o desenvolvimento dos personagens do núcleo principal, avançando as suas relações pouco a pouco, como no relacionamento entre o tenente Wilson e a sua namorada, Jaqueline. Esta base dramática permite que o seriado prossiga criando estórias indefinidamente, sem que se perca sua identidade. Esse pode ter sido um dos motivos que garantiu a renovação por mais duas temporadas. Pela sua proposta, em muitos episódios, a trama parece resolvida às pressas, sem um devido tempo de evolução e resolução das ações. Isto talvez tenha ocorrido por conta da sua duração de trinta minutos, ao invés dos habituais quarenta minutos para as obras desse gênero. Em relação às forças de oposição, isto é, os personagens corruptos em suas redes de criminosos, elas proporcionaram boas relações de antagonismo, ajudando a impelir a trama sem artificialismos, apesar da ausência de conflitos que atravessassem episódios e pudessem ser desenvolvidos sob outras perspectivas. No final, por conta da sua configuração dramática, não houve um desfecho explícito e a resolução concreta de conflitos abertos, salvo pela explicação da situação de Jonas com o Wilson.
Entre as questões secundárias, apesar de a equipe de policiais contar com uma mulher e isso sugerir representatividade feminina, toda a potência crítica se esvai quando suas qualidades e capacidades são deixadas de lado. A princípio, se ela conquistou essa vaga em um meio altamente masculinizado, a personagem tem de ser, minimamente, dotada de atributos superiores e condizentes. Isto posto, há uma série de clichês em relação a uma mulher na polícia e situações inconsistentes quanto à sua competência[2]. Em outros termos, a sargento Selma, corajosa, forte e homossexual, não contribui de maneira efetiva para as investigações, o que suscita dúvidas sobre como ela conquistara essa vaga se não demonstra qualquer talento. Assim, nas cenas em que ela é alvo constante das brincadeiras de Irineu, o seriado poderia levantar excelentes críticas sobre estas situações no ambiente de trabalho, mas acaba apresentando um quadro que corrobora com a visão misógina presente nos personagens. Em uma reunião, Selma dá uma ideia sobre o caso, mas Irineu a provoca, aludindo que os seus dois neurônios femininos haviam funcionado (aliás, uma piada deste tipo no meio do trabalho demonstra a falta de profissionalismo e seriedade da equipe). Para se defender, ela insulta o seu órgão genital masculino (comparando-o a uma pistola de menor calibre), arrancando risos de todos na sala. A incongruência nessa fala ilumina pontos relevantes sobre as questões de gênero: com seu comentário, Irineu insinuara que ela seria burra, mas recebeu um escárnio de cunho sexual, ou seja, enquanto ele deu a entender que o lugar dela não era ali, a réplica de Selma passa longe de esbarrar na questão do talento, inteligência ou competência, como se estivesse “confirmando” a razão da piada[3].
Na visão geral, o seriado apresenta uma equipe de policiais que são parte de uma força paralela e autônoma, concebida para investigar a própria corporação e resolver os problemas de corrupção interna. De início, o ambiente tem um clima profissional, no qual os personagens demonstram comprometimento e caráter para ocuparem a função. No entanto, logo percebem-se as brincadeiras em momentos de seriedade e decisões tomadas sem apelo racional, respaldadas por um quadro de incompetência, onde eles não parecem ser os responsáveis pelo cumprimento de suas missões. Isto posto, não houve críticas em nível sistêmico, o seriado desconhece o jogo capitalista, enquadrando as suas formas ideológicas apenas no embate entre dois aparelhos de Estado (o investigador e o investigado), pontuando as regras que serviram para assentar as relações de corrupção e ilegalidades em meio às jogadas morais dos policiais, pautadas pelas noções de que esses atos ilícitos existem, mas que é certo e possível combatê-los, mesmo tornando evidente a total impossibilidade de alterações consideráveis. Quanto às desigualdades sociais, elas não são tratadas de maneira direta, até por conta da proposta, que busca focar mais exclusivamente nas atividades ilícitas dos investigados.
Para iniciar a análise, a característica mais notável da equipe é a imposição da preservação da identidade dos investigadores. Eles precisam manter uma vida dupla para que não sejam perseguidos ou coagidos a interromper as investigações. Todavia, ao longo dos episódios, ocorrem uma série de situações em que o tenente Wilson é desleixado quanto ao segredo de sua real identidade. Seja apresentando-se pelo seu verdadeiro nome ou quando é descoberto pelo inimigo, ao checar a sua carteira, etc., percebe-se que esse descuido não é condizente com o seu trabalho. O nome Wilson poderia ser fictício, mas há uma situação em que a sua namorada, Jaqueline, revela-o para os milicianos da favela e, inclusive, conhece a sua patente na polícia. Talvez essa “distração” e as descobertas pelos investigados funcionem como um gatilho para disparar novas e tensas situações dramáticas, porém, fazem com que grande parte dessas cenas se tornem inverossímeis e pinte uma imagem de despreparo por parte do Serviço Reservado da PMERJ. Em matéria da Gazeta do Povo[4], de 2009, percebe-se a história de Airton (nome fictício), um policial cujas funções são as mesmas dos personagens da série: levantar informações para o comando prender os criminosos, apreender drogas, desocupar uma certa área e até mesmo se infiltrar entre os bandidos para colher informações. É evidente a sua preocupação com a preservação da identidade, ao ponto de nem mesmo os seus colegas de profissão saberem que ele é policial. Além disso, na contramão do que ocorre no seriado, ele nunca participa da captura de criminosos, salvo em último caso, quando não há outro jeito.
Esse despreparo é um dos principais elementos da análise, pois ele desvela as jogadas contraproducentes em relação às próprias regras representadas para a instituição policial. Para explicar, nesse embate de Estado versus Estado, o seriado separa essas duas partes em dois grupos; os investigados são corruptos e bandidos, enquanto os investigadores são despreparados e incompetentes. Não são poucos os exemplos: as perguntas e observações esdrúxulas por parte da equipe e atitudes infantis durante situações sérias e graves levantam questões quanto à competência e o profissionalismo; o tenente Wilson anuncia para uma mulher que o seu marido havia falecido, mas ele ainda estava vivo (não confirmaram com o laboratório) e tiveram de desmentir a versão anterior, causando constrangimento; Selma tenta fazer contato com o coronel Caetano dentro do banheiro do galpão do criminoso e é flagrada por sua amante; um colega do Wilson é assassinado a sangue frio, mas ele desconfia do caso e pede ajuda aos policiais para investigarem, no entanto, ele é ignorado “por falta de provas” (apesar do inquérito estar incompleto) e resolve agir sozinho. Sobre este último exemplo, visto que o Serviço Reservado tem como principal diretriz a investigação dos atos e práticas ilegais dos agentes de polícia, por que desautorizar a posição do tenente diante dessa suspeita concreta e válida? Logo, pelo conjunto desses exemplos, a operação da equipe adquire a imagem de um aparelho mal administrado e inepto para realizar a sua função de remover da corporação os maus elementos.
Outro ponto analisado foi o código de leis que pauta a moral da equipe de policiais controlada por Caetano. No último episódio, o tenente Wilson invade a casa do traficante Dogão sem mandado judicial, na esperança de encontrar provas para incriminá-lo e o delegado que o protegia. Graças à essa infiltração ilícita, eles conseguem prendê-los e dissolver a rede criminosa que vendia drogas apreendidas pela polícia de volta aos traficantes. Na delegacia, o coronel Caetano aproxima-se de Wilson e reprime sua ação, sintetizando duas questões relevantes sobre a visão do seriado: a primeira é a de que, mesmo para prender um delegado corrupto, a lei deve ser respeitada e cumprida, jamais infringida, pois é ela que assegura a noção de que todos são iguais (ela é supostamente igual para todos); a segunda recai no embate das duas corporações. Enquanto a investigada apresenta profissionais que, claramente, descumprem as leis, o Serviço Reservado não pode cometer o mesmo erro. O recado carrega o peso de sua autoridade no comando da equipe e, de fato, ele está correto em repreendê-lo, porém, com uma observação mais aprofundada, percebe-se que, na verdade, a mensagem é direcionada aos telespectadores. Posto que as regras observadas no seriado apontam para um sistema colapsado e débil, o seriado faz uso de uma faca moral para realizar um corte vertical que divide as duas corporações em suas distinções particulares, mascarando que, em quase todo o resto, elas são praticamente idênticas.
Para avançar essa questão, tem-se acesso à instituição policial apenas pelos agentes que conduzem atividades ilegais, salvo um ou outro exemplo de policiais honestos que acabaram tragados para as redes criminosas. No entanto, não é este o grupo em evidência, por mais que, a nível situacional, ele suscite imagens de uma corrupção sem controle e entranhada nas raízes do sistema. É sobre a equipe de Caetano e, especificamente, nas ações de Wilson, que recaem os juízos morais e de valor como uma forma de tentar separá-los dos adversários investigados. Sendo fiéis às leis e cumprindo suas missões sem que sejam utilizados métodos ilegais, eles revestem-se de uma aura paladina para tentar encobrir as suas características mais evidentes: a incompetência. Some a isso o fato de que em quase metade dos episódios, não foram eles os responsáveis pela captura e prisão dos criminosos[5]. A imagem de que são corretos e respeitam as leis, além de ser o elemento épico que engendra os maiores efeitos dramáticos de antagonismo, pois claramente os vilões não a cumprem, é parte do maniqueísmo inerente às tramas televisivas. Portanto, é no equilíbrio entre essas duas (ideias) que o seriado desliza as suas representações pessimistas do aparelho de Estado; de um lado, a corrupção correndo à solta e, do outro, um grupo correto e bem intencionado, mas inábil em suas particularidades para lidar com o problema, formando a relação simbiótica de regras e jogadas que transparecem o mecanismo do medo, em meio às imagens de crimes acontecendo de modo desenfreado e sem uma resistência competente e à altura para impedi-lo; e a resignação, pois diante de um quadro que retira a confiança depositada pela sociedade nas instituições de investigação, o que sobra é a visão estarrecedora de que não há possibilidades de melhora ou de mudanças significativas.
Para concluir, o seriado entrega um produto com visual interessante e com cenas que exploram a tensão e a angústia vivenciadas por esse grupo de agentes do Serviço Reservado da PMERJ. Uma vez que cada episódio encerra uma estória diferente, os telespectadores são postos em contato com um número superior de missões que eles têm de resolver, o que, invariavelmente, acentua as suas relações internas e com os investigados. Grosso modo, o que pode-se testemunhar é que a equipe de policiais é representada por meio de ações pueris e débeis, embora, no final os alvos sejam capturados (mesmo que não sejam eles em quase metade dos episódios). As situações vividas pelos personagens minimizam a responsabilidade e a competência necessárias à profissão enquanto representam um aparelho estatal com dificuldades de providenciar o serviço que lhe cabe. A análise notou também a posição moral de Wilson e seus colegas como um elemento para ampliar o clima de tensão, mas que acaba acentuando o quadro pessimista quando exposto junto aos exemplos de despreparo. Portanto, esta é a relação simbiótica que resplandece a corrupção e a sua incapacidade de eliminá-la.
[1] A trama e as curiosidades estão no Memória Globo, disponível em: http://glo.bo/3DWeATS.
[2] Essa questão esbarra na ideia de que se ela conquistou essa vaga, provavelmente, ela ultrapassou uma grande quantidade de homens, provando para aqueles que a aprovaram, um valor excepcional como policial. No entanto, não é isso que se observa em suas atitudes e na sua construção épica.
[3] Em outra situação, Genival e Irineu observam Selma, de dentro do carro, tocar o interfone de um prédio. Os dois indagam se ela tem ido à academia para malhar. Em seguida, Irineu olha para a parte debaixo do corpo dela e diz: “e pensar que tem gente que é contra mulher na PM”. Essa fala desvela um subtexto relativo a outra incongruência: eles também não querem uma mulher na PM, ao menos como uma contribuição feminina competente, mas que ela sirva como enfeite, um objeto de contemplação masculina, cuja finalidade única é evocar o lado sexual. Novamente, o roteiro nada apresenta em favor de Selma para que o argumento dos policiais seja refutado.
[4] Segundo a Gazeta do Povo. Disponível em: http://bit.ly/2QWBlht.
[5] Caetano, Wilson e o restante da equipe são responsáveis diretos pela captura dos criminosos em sete episódios. Nos outros cinco, ocorrências externas ou outros fatores é que contribuíram para as prisões. E há absurdos, como num episódio em que um “policial traidor” rende todo mundo e avisa que o carro na frente da delegacia era parte do seu bando, mas ao tentar sair, é metralhado e o carro vai embora. Qual o propósito de todo esse plano se a intenção era matá-lo?