O Garotinho

Um garotinho magrinho, fraquinho, mal alimentado e bastante pobre conseguiu uma vaga para entrar para a escola. Seu pai, um homem honesto e trabalhador, sustentava seus oito filhos com dificuldade, pois seu emprego pagava muito pouco. Apesar de ele nunca ter tido a oportunidade de estudar e, mesmo sendo analfabeto, poderia facilmente dar aulas de ética em muitas faculdades brasileiras. Enfim, quando recebeu a carta e entregou-a ao seu filho mais velho para que pudesse lê-la em voz alta, descobriu que o seu caçula havia conseguido a vaga. A emoção do pai foi tamanha que não existem palavras para descrever a sensação e a emoção que ele sentira por conta desta notícia. Ou, simplesmente, o autor desta estória foi incapaz de encontrá-las. O importante é que a sua missão estava realizada, seu filho iria estudar.

De manhã, o garotinho vestiu os seus habituais trapos e seguiu para a escola. Estava naturalmente assustado com toda aquela movimentação de pessoas grandes e pequenas. E os sentimentos não diminuíram quando conheceu a professora e as suas várias perguntas esquisitas. Durante o recreio fez umas quatro amizades rapidamente (as crianças deveriam ensinar os adultos a conseguir isso tão facilmente) e adorou o almoço: pão com manteiga e refresco de uva. Já no final do turno, ele já conseguia desenhar perfeitamente as primeiras letras do alfabeto à frente dos seus colegas de classe. No caminho de volta para casa, sem querer, arrebentou o seu chinelo e andou o resto do caminho descalço.

Ao chegar em casa, cumprimentou o pai com satisfação e ele debulhou-se novamente em lágrimas. Pouco depois, a campainha soou e uma de suas filhas atendeu a porta. Era a professora do garotinho. O pai, com muita humildade e bons modos, recebeu-a em sua velha e surrada cozinha. A professora estava com uma feição de curiosidade e leve espanto no rosto, quando começou a explicar uma situação ocorrida em sala de aula. As crianças deveriam dar exemplos de objetos que fizessem parte do universo da palavra sugerida por ela. Ou seja, se dissesse “quarto”, os alunos poderiam responder cama, armário, mesa, cadeira. Se dissesse “geladeira”, poderiam responder frutas, manteiga, leite, ovos, e assim por diante.

Entretanto, quando ela revelou o que o garotinho respondera em dado momento, o pai não entendeu nada, não tinha conhecimentos suficientes e mal podia fazer ideia do que isso representava. Mas eu revelo para vocês. A professora dissera “alfaiate” e muitas crianças responderam, inteligentemente, linha, agulha, roupa, tecido, costura, etc. O garotinho, sem ter entendido direito a regra do jogo (ou entendido de um jeito que poucos compreendem), respondeu “betaiate”, “gamaiate”, “deltaiate”. Em seguida, a professora se retirou, elogiando o seu filho, e o pai agradeceu. Bem, talvez um dia todos nós saibamos o final dessa história. Ou não, pois é provável que o garotinho não chegue a lugar nenhum enquanto as chances de vida para os menos afortunados forem baseadas na pura sorte.

(Texto escrito em meados de 2014)

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