
Num esgoto, moravam ratos de diversas espécies. Essas criaturas nojentas se amontoavam umas às outras, tentando arrumar espaço para se alimentar e sobreviver. Era cada um por si. O egoísmo imperava naquele local, não importando o modo de se conseguir alimento, se iria atrapalhar outros ratos ou até mesmo matá-los de fome. Por serem os predadores dominantes, não se incomodavam em viver junto às baratas, lacraias e outros insetos ainda mais nojentos.
Por ironia do destino, um rato nasceu diferente. Ele tinha pelo dourado e um focinho rosa. Era educado, pedia licença quando passava e se desculpava por qualquer situação constrangedora. Os outros ratos olhavam indignados para aquela criatura tão divergente. Alguns sentiam ódio e inveja, afinal, por dentro, queriam ser como ele, enquanto outros tentavam ignorá-lo, mas sem sucesso, pois era impossível que um rato dourado de pelos limpos deixasse de chamar a atenção.
Com o passar do tempo, a sua presença foi incomodando os demais ratos. Ninguém suportava aquele terrível mau cheiro que lembrava o aroma de campos floridos. Sua atitude era vista com a mais pura repugnância e ninguém defendia a sua ideia de dividir a comida com outros ratos. Isso era inadmissível! E para cortejar as ratas, teriam que abordá-las educadamente e aguardar a aprovação das suas insinuações? Quanto absurdo, vociferavam os velhos e imundos ratos.
A situação foi ficando tão constrangedora e perigosa a ponto de decidirem expulsá-lo do esgoto. Não havia um líder, mas juntaram-se às pressas e foi tomada uma decisão unânime. Triste e sem saída, o rato do pelo dourado teve que deixar aquele local imundo. Apesar da sujeira, ele se considerava feliz no esgoto, era o seu lar. Ao subir as paredes do túnel, todos comemoravam, o esgoto estaria finalmente livre deste pomposo e “nojento” rato que não sabia o seu lugar e criava encrenca por onde passava.
Para sua sorte, uma ratinha, encantada por sua beleza e seu jeito diferenciado, resolveu acompanhá-lo. Os dois se conheceram e tiveram filhotes de várias cores, ostentando as maravilhas genéticas daquela curiosa mistura. A família cresceu e rapidamente começou a dominar o novo lugar. Anos mais tarde, a comunidade gigante de ratos limpos estava estabelecida em uma pequena floresta. O rato de pelo dourado e a ratinha já haviam morrido depois de tanto tempo, porém, tudo continuava extremamente em ordem. A prole aprendera bem os modos dos pais. Pediam licença para passar, para dividir a comida, para cortejar as ratas. Enfim, tudo estava perfeito e organizado e o seu habitat tinha o incrível aroma dos ipês, que também lhes fornecia proteção. Nem pareciam mais ratos. Outros animais que, de vez em quando cruzavam as suas terras, achavam que se tratava de uma nova espécie de animal.
Um dia, aproximou-se da comunidade um rato desgrenhado, imundo e ferido. Ao olharem para ele, sentiram nojo e a aversão foi instantânea. Óbvio, que animal era aquele que não tinha a mínima noção de estética e higiene? Não sabia pedir, tampouco se comportar e ainda havia o péssimo cheiro ao seu redor. Apesar das tentativas do pobre rato de estabelecer um contato e pedir ajuda, eles rapidamente se organizaram e decidiram expulsá-lo antes que trouxesse doenças à comunidade. A decisão foi unânime. Triste e sem saída, o feioso rato retirou-se do lugar com lágrimas nos olhos, sabendo que seria o seu fim.
Mal sabiam eles que o rato estava ferido, pois havia tentado (com sucesso) fugir daquele imundo esgoto para tentar a vida na comunidade dos ratos da floresta. Desejava aprender a viver daquele jeito, ser higiênico e tornar-se um deles. Infelizmente, jamais conseguiu realizar o seu sonho, pois após a expulsão, deu dez passos e caiu morto. Não de cansaço ou dos ferimentos, embora isso deva ter apressado o processo, mas de desilusão. O que ele mais queria é que ignorassem o seu exterior e o vissem como ele era por dentro, constatando a sua alma limpa e honesta. Contudo, embora os ratos da floresta fossem limpos, eles nunca aprenderam a observar para além das aparências e continuavam tão imundos por dentro quanto os seus primos dos esgotos.
(Texto escrito em meados de 2008)